Especialistas apontam erros na proteção ao ex-primeiro-ministro

 

Ao contar até 3, passaram-se menos que 3 segundos. Parece pouco. Mas seria o suficiente para que o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, 67 anos, ainda estivesse vivo.

Pelo menos é o que concluíram especialistas em segurança que revisaram as imagens do assassinato do ex-premiê japonês.

O fracasso em proteger Abe do segundo tiro seguiu o que parecia ser uma série de erros de segurança que antecederam o assassinato do primeiro-ministro mais antigo do Japão, em 8 de julho, disseram especialistas japoneses e internacionais.

Os profissionais afirmam que os guarda-costas poderiam ter salvo Shinzo Abe se o protegessem ou o removessem da linha de fogo nos 2,5 segundos entre um primeiro tiro perdido e uma segunda rodada de tiros que o feriu mortalmente.

A morte de Abe na cidade  de Nara, na província de mesmo nome, por um homem usando uma arma caseira chocou uma nação onde a violência armada é rara e os políticos fazem campanha perto do público, com pouca segurança.

 

Atirador agiu tranquilamente (Foto: TBS TV)

As autoridades japonesas – incluindo o primeiro-ministro Fumio Kishida – reconheceram falhas de segurança e a polícia diz que está investigando o caso.

Vários erros

Além dos especialistas em segurança, a agencia Reuters conversou com seis testemunhas no local e examinou vídeos disponíveis on-line, feitos de diferentes ângulos, para reunir um relato detalhado das medidas de segurança antes do crime.

Depois de deixar Abe exposto por trás enquanto falava em uma ilha de trânsito em uma via pública, sua equipe de segurança permitiu que o atirador Tetsuya Yamagami, 41,  chegasse a poucos metros dele sem nenhum impedimento e carregando uma arma.

¨Eles deveriam ter visto o atirador caminhando deliberadamente em direção à retaguarda do primeiro-ministro e intervindo¨, disse Kenneth Bombace, chefe da Global Threat Solutions, que forneceu segurança a Joe Biden quando ele era candidato à presidência.

Yamagami chegou a cerca de 7 metros de Abe antes de disparar seu primeiro tiro, que falhou, disse o jornal Yomiuri, citando fontes investigativas. Ele disparou o segundo tiro, que atingiu cerca de 5 metros de distância.

Os guarda-costas de Abe não pareciam ter ¨círculos concêntricos de segurança¨ ao seu redor, disse John Soltys, ex-agente da Marinha e oficial da CIA, agora vice-presidente da empresa de segurança Prosegur. ¨Eles não tinham nenhum tipo de vigilância na multidão.¨

Questionado sobre a análise dos especialistas, a polícia da província de Nara, responsável pela segurança de campanha de Abe, disse à Reuters que o departamento estava ¨comprometido em identificar completamente os problemas de segurança¨ com a proteção, recusando-se a comentar mais.

Resposta errada

As imagens de vídeo mostram que, após o primeiro tiro, Abe se vira e olha por cima do ombro esquerdo. Dois guarda-costas correm para ficar entre ele e o atirador, um deles erguendo uma bolsa preta fina. Dois outros dirigem-se para o atirador, que se aproxima através da fumaça.

Embora a segurança de Abe tenha abordado o agressor momentos depois, foi a ¨resposta errada¨ para alguns seguranças irem atrás do atirador em vez de se mover para proteger Abe, disse Mitsuru Fukuda, professor da Universidade Nihon e especializado em gerenciamento de crises e terrorismo.

Havia segurança suficiente, ¨mas nenhuma sensação de perigo¨, disse Yasuhiro Sasaki, policial aposentado na prefeitura de Saitama, perto de Tóquio, que cuidava da segurança de VIPs. ¨Todo mundo ficou assustado e ninguém foi até onde Abe estava.¨

A polícia de Tóquio, encarregada dos guarda-costas dos políticos VIP, encaminhou perguntas à polícia de Nara.

A Agência Nacional de Polícia, que supervisiona as forças policiais locais, disse que o assassinato de Abe foi o resultado de a polícia não cumprir sua responsabilidade e anuncia que montou uma equipe para revisar as medidas de segurança e proteção e considerar medidas concretas para evitar um incidente tão grave de novo.

¨Reconhecemos que houve problemas não apenas na resposta no local, como a configuração de segurança e proteção, implantação de pessoal e procedimentos fundamentais de segurança, mas também na forma como a Agência Nacional de Polícia foi envolvida¨, respondeu a polícia em comunicado.

Abe durante discurso em Nara (Foto: Kyodo)

As imagens mostram quatro guarda-costas dentro das grades de proteção enquanto Abe falava, de acordo com Koichi Ito, ex-sargento da equipe de assalto especial do Departamento de Polícia Metropolitana de Tóquio, agora consultor de segurança. O número deles foi confirmado pelo político Masahiro Okuni, que estava no local.

Quando o ex-primeiro-ministro se aproximou para falar, Yamagami pôde ser visto em imagens de vídeo ao fundo, batendo palmas.

Enquanto Yamagami caminhava atrás de Abe, a segurança não parecia agir, mostrou a filmagem.

Abe deveria ter um guarda-costas de proteção especial para afastá-lo, disse um membro do Serviço de Segurança Diplomática dos EUA, que protege diplomatas e dignitários estrangeiros.

¨Nós o agarraríamos pelo cinto e pela gola, o protegeríamos com nosso corpo e nos afastaríamos¨, disse o agente.

Katsuhiko Ikeda, ex-superintendente-geral da polícia de Tóquio que comandou a segurança das cúpulas do Grupo dos Oito do Japão em 2000 e 2008, disse que a situação teria se desenvolvido de forma muito diferente se a equipe de segurança de Abe estivesse perto o suficiente para alcançá-lo em um ou dois segundos.

Ito, o ex-sargento de polícia, disse que a segurança poderia ter evitado o primeiro tiro se eles estivessem vigilantes e se comunicando.

¨Mesmo que eles tenham perdido esse primeiro tiro, houve uma janela de mais de dois segundos antes do segundo tiro, então eles definitivamente poderiam ter evitado¨, sentencia ele. ¨Se Abe tivesse sido protegido adequadamente, poderia estar vivo¨, finaliza.

 

Fontes: Kyodo e Japan Today